27 janeiro 2008

A Verdadeira Religião


A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.

Aponta-me todas as coisas que há nas
flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão

E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a
Igreja Católica
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
«Se é que ele as criou, do que duvido» -.
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres».

E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.


Excerto da poesia de Alberto Caeiro "O Guardador de Rebanhos (1911-1912) "

4 comentários:

Black Rose disse...

O Caeiro sempre interpretou a vida de uma forma muito peculiar, por vezes fria, mas sempre certeira...

GZ disse...

numa única palavra posso descrever o que surgiu no pensamento depois de ler este poema... "concordo"...

beijos

a frieza certeira de uma faceta de um poeta maior...

Liz / Falando de tudo! disse...

Estranho sempre que a gente se debate com a possibilidade de que Deus nao exista...em mim surge um vazio, pois dai eu perco a esperança de que um dia inocentes nao mais morrerrao pelo pecado que os ambiciosos tem cometido no mundo!
Prefiro acreditar no mundo do meu jeito...comigo, minha força, seja ela vindo de Deus, ou nao!
Beijinhos!

Porcelain disse...

Ih, ih, ih... é a rebeldia da juventude, então... é preciso questionar a autoridade paternal! Ah, ganda Alberto... tá fixe, eu acho que devo achar piada a Fernando Pessoa, mas a verdade é que conheço pouco... e quanto ao comentário anteior... tenho de ter cuidado, sabes?... porque eu conheço-me... isto é compulsivo... eu TENHO de escrever, eu simplesmente TENHO de escrever, e depois às vezes abuso! Ih, ih, ih, pronto, podia dar-me para pior!

Beijokas!