22 novembro 2007

Ruinas

Desembarcou numa sala sem dourados nem cadeiras: madeiras velhas, jarras com flores de plástico, janelas de vidros partidos para a auto-estrada. Nem vento, nem mar: só o ruído dos carros entrava pelas fendas para ecoar no tecto (madeiras à vista entre os restos de estuque). Depois, na rua, pendurou-se nos ferros podres de antigas varandas. Percebia-se, por entre os arbustos que invadiam tudo, uma vista que teria sido digna de um quadro romântico. O vale, coberto de casas, e os montes invadidos por ferro-velho, ocultam um passado de rebanhos e pastores. Mas talvez não se tenha ouvido aqui a música da flauta. Com efeito, esta casa limita-se a guardar antigos silêncios, que o uso transformou em manchas sépia na memória. Agora, confundem-se com a cor das paredes; e só abrigam tocas répteis, que apenas se adivinham, no inverno, escondidos do universo. Mas alguém passou por aqui, há pouco; e um monte de madeira fumega, ainda, enquanto o sol avança a partir do nascente, onde as cores frias da madrugada não se dissipam, nem pássaro algum saúda o nascer do dia.

de Nuno Júdice in Meditação Sobre Ruínas

1 comentário:

Porcelain disse...

Não são encantadoras, as ruínas?